Até agora, os assistentes de voz têm sido utilizados na esfera privada com vários graus de eficácia, mas atualmente estão a entrar no mundo empresarial e têm potencialidades para revolucionar os métodos de trabalho no futuro. De que forma é que estes novos assistentes inteligentes se encaixam no ecossistema da empresa? Eis uma visão geral dos vários dispositivos ativados por voz, da sua utilização nas empresas, do seu campo de aplicação e das perspetivas que oferecem para o local de trabalho do futuro.
Os assistentes de voz são dispositivos ligados controlados por voz, que utilizam a inteligência artificial (IA) para executar todo o tipo de tarefas bastante repetitivas e demoradas em substituição dos humanos.
O âmbito de aplicação dos assistentes de voz nas empresas é bastante amplo. Em particular, inclui:
Os assistentes de voz funcionam, portanto, como um bem ergonómico para a empresa, reduzindo a movimentação dos trabalhadores.
Como em muitas áreas, o mercado de assistentes de voz é, em grande parte, da competência das GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft). Para além do Facebook, cujo assistente virtual ainda está a ser finalizado (e provavelmente será chamado Aloha), os outros gigantes digitais desenvolveram todos as suas próprias soluções. Estes assistentes já são amplamente utilizados em muitas casas e em várias empresas:
Os gigantes digitais asiáticos não ficarão atrás, pois a Tencent, a Baidu, a JD e a Alibaba também desenvolveram os seus próprios assistentes de voz.
Os fabricantes de telefones também entraram na corrida dos assistentes virtuais: a Samsung lançou o Bixby e a Huawei lançou a Celia, que é capaz de traduzir em tempo real, entre outras coisas. Os especialistas em áudio também desenvolveram naturalmente os seus próprios altifalantes ligados, mas a maioria deles utiliza a tecnologia dos gigantes americanos. É o caso da JBL, que utiliza a tecnologia Google Assistant, e da Sonos, que utiliza o sistema Alexa.
Os assistentes de voz prometem facilitar as tarefas dos trabalhadores. A este respeito, os benefícios desta nova tecnologia são já evidentes na vida quotidiana das empresas. No entanto, são apenas os primeiros avanços que podem muito bem ser feitos em várias fases de produção e marketing e, por conseguinte, revolucionar os processos de trabalho a uma escala muito maior.
Os assistentes de voz podem melhorar a produtividade através da automatização de tarefas repetitivas de nível inicial e de baixo valor. Para além do seu papel na regulação do espaço e do ambiente (ajustar a temperatura, ligar as luzes, fechar as persianas, etc.), estes assistentes virtuais estão a ficar cada vez mais integrados nas tarefas reais dos trabalhadores.
Em particular, o assistente de voz pode substituir numerosas tarefas que seriam feitas por um(a) secretário(a) (marcação de compromissos, reserva de quartos, definição de um itinerário, reserva de táxis, reserva de salas, etc.). Entre outras coisas, pode ser utilizado para definir lembretes para compromissos e funciona como um diário de voz.
Pode também ser muito útil para o acompanhamento das relações com os clientes, nomeadamente substituindo um chatbot ou um serviço pós-venda que gere reclamações, que, apesar de serem tarefas repetitivas, demoradas e pouco gratificantes, são essenciais para a fidelização e reputação da empresa.
A ideia é permitir que os trabalhadores se concentrem nas tarefas importantes e evitem as constantes exigências que os podem impedir de se concentrarem e, como consequência, afetar negativamente o seu desempenho. Deste modo, a utilização do assistente de voz Cortana seria particularmente bem acolhida pelos gestores, em virtude da sua capacidade de integração no conjunto de programas do Office profissional da Microsoft (Windows, Office, Teams).
Estes dispositivos ativados por voz irão, muito provavelmente, fazer parte do ambiente de trabalho, tal como já acontece hoje em dia com as impressoras, as fotocopiadoras ou os carimbos. Os assistentes de voz irão permitir, muito provavelmente, a interconectividade total com todo o ecossistema da empresa.
A longo prazo, é concebível que, ligando-os a vários equipamentos informáticos, possamos instruir os assistentes virtuais para imprimir um documento ou mesmo efetuar cálculos mais ou menos complexos em folhas de cálculo Excel.
Juntamente com a GRC (gestão da relação com os clientes), talvez os assistentes de voz possam, no futuro, tornar-se numa ferramenta adicional para otimizar a gestão da relação com os clientes e a prospeção de clientes. Um algoritmo que sintetizasse todos os dados dos clientes iria disponibilizar informações úteis ao pessoal de vendas para a pesquisa de clientes e respetiva conversão desses clientes.
Podem pedir ao assistente virtual que lhes forneça uma lista dos clientes que pretendem acompanhar e os tipos de serviços que pretendem oferecer-lhes, ou os nomes dos potenciais clientes a abordar dentro de uma determinada área de acordo com critérios sociodemográficos. Esta funcionalidade de conversão de voz em texto poderia revolucionar as campanhas, ajudar a concluir as vendas e talvez contribuir para a fidelização do cliente.
No futuro, a utilização de assistentes de voz será particularmente relevante para as empresas dos setores de comércio a retalho e distribuição. Em combinação com a inteligência artificial, irão simplificar todas as fases da experiência do cliente, desde o processo de compra, com a pesquisa do produto, até à conclusão da transação, incluindo a fase de seguimento da encomenda.
Já bem estabelecido nos Estados Unidos, onde representa cerca de 40 mil milhões de dólares de volume de negócios por ano, o V-commerce (comércio por voz) permitirá aos consumidores adicionar artigos aos seus carrinhos de compras, utilizando a sua voz de acordo com critérios específicos (tipo de produto, tamanho, cor, data de validade, etc.). O consumidor poderá utilizar um comando de voz em todas as fases do processo de compra. Pode utilizá-lo para escolher o método de entrega ou levantamento ou para definir se deseja ou não subscrever um seguro.
O assistente de voz também dará sugestões ao consumidor, com base no seu histórico de compras ou num algoritmo que inclua as suas referências de produtos preferidos. Poderá utilizá-lo para seguir o estado da sua encomenda antes da entrega.
Finalmente, o pagamento por voz, cuja divulgação está ainda muito no início por razões de segurança, poderia eventualmente ser incorporado da mesma forma que o pagamento por telefone, que levou algum tempo a estabelecer-se.
O objetivo do comércio por voz será, em termos gerais, reduzir o mais possível as tarefas do consumidor durante o processo de compra. A sua expansão deveria levar as empresas a pensar em integrar a voz nas suas estratégias promocionais e canais de distribuição, mesmo antes de considerar o marketing.
Apesar das convincentes alegações de que os assistentes de voz podem melhorar a produtividade diária, estes novos dispositivos inteligentes estão ainda muito longe de realizar todo o seu potencial. Ainda subsistem algumas dúvidas sobre a segurança, o que dificulta a sua implementação no local de trabalho.
O maior problema para a compreensão por parte dos assistentes de voz é a captação do ruído circundante. Este ruído de fundo faz com que a máquina não interprete corretamente o discurso.
As subtilezas nas entoações de voz, as palavras com duplo significado ou as expressões idiomáticas lembram-nos que a máquina ainda não é (neste momento) capaz de descodificar completamente a complexidade do cérebro humano, constituído por associações e convoluções. Mas está a trabalhar nisso…
Esta complexidade é ainda mais difícil de compreender no contexto de debates profissionais em que os dados semânticos são, por vezes, insuficientes e demasiado técnicos (abreviaturas ou vocabulário específico) para constituírem macrodados. A este respeito, a utilização da aprendizagem automática pode ser uma forma de melhorar o assistente de voz para que este se familiarize com as especificidades semânticas de cada setor e de cada empresa.
Há também a questão da compreensão multilingue, embora os gigantes digitais – liderados pela Google – estejam a fazer esforços consideráveis para expandir os campos lexicais compreendidos pela máquina na maioria das línguas mais utilizadas em todo o mundo.
A difusão dos assistentes de voz nas empresas traz também algumas preocupações relativas à segurança dos dados. Numa altura em que as questões de cibersegurança são mais prevalecentes do que nunca e os ataques às empresas estão a aumentar, os assistentes de voz precisam de tranquilizar os decisores para uma implementação generalizada no local de trabalho. Estão, por enquanto, muito aquém do que é esperado a este respeito, uma vez que foram detetadas numerosas falhas de segurança nestes dispositivos. Tem sido, nomeadamente, o caso de Cortana e Alexa, acerca das quais foram relatados vários casos de conversas gravadas no domínio privado, sem o conhecimento dos utilizadores.
Por vezes, o dispositivo ativado por voz ativa-se sem que lhe tenha sido solicitado que o fizesse, e grava clipes de áudio em vários momentos do dia. Os números de telefone, números de cartão de crédito, números da segurança social e outras informações de identificação podem, assim, ser captadas pelos assistentes de voz durante conversas ou chamadas telefónicas. Esta questão limita a confiança depositada nestes assistentes virtuais, no momento presente. As autoridades competentes também recomendam que o microfone seja desligado quando o dispositivo não estiver a ser utilizado.
Embora estes problemas de segurança de dados sejam preocupantes na esfera privada, podem revelar-se críticos na esfera profissional, onde os riscos financeiros são consideráveis e as questões de concorrência, patentes ou estratégia comercial são decisivas. Os próprios fabricantes não têm qualquer vontade de ver os dados confidenciais a serem enviados para a nuvem dos gigantes digitais americanos.
A pirataria desta tecnologia de voz é ainda um fenómeno pouco compreendido, embora algumas empresas em fase de arranque tenham aderido à proteção cibernética através da utilização de assistentes de voz incorporados que funcionam localmente. O sistema é autónomo e não transmite informações para o mundo exterior, evitando, assim, qualquer risco de fuga de dados.
Por fim, há a questão da duração da bateria dos assistentes de voz para uma utilização sem interrupções, especialmente no caso de um corte de energia prolongado. Esta é uma questão que ainda não foi resolvida pelos fabricantes.
A verdadeira expansão da economia conversacional dependerá, portanto, da capacidade dos fabricantes de assistentes de voz para tranquilizar os seus utilizadores comerciais. Para tal, terão de demonstrar as mais-valias destes assistentes em termos de produtividade e de relações com os clientes.